Considerações Sobre a Amizade
É a insuficiência do nosso ser que faz nascer a amizade, e é a insuficiência da própria amizade que a faz perecer. Está-se sozinho, sente-se a própria miséria, sente-se necessidade de apoio, procura-se quem lhe favoreça os gostos, um companheiro nos prazeres e nos pesares; quer-se um homem de quem se possa possuir o coração e o pensamento. Então a amizade parece ser o que de mais doce há no mundo; tem-se o que se desejou, logo se muda de ideia. Quando se vê de longe algum bem, ele fixa de início os nossos desejos, e quando se chega a ele, sente-se o seu nada. A nossa alma, de que ele prendia a vista na distância, não pode repousar-se nele quando vê mais adiante: assim a amizade, que de longe limitava todas as nossas pretensões, cessa de limitá-las de perto; não preenche o vazio que prometera preencher; deixa-nos necessidades que nos distraem e nos levam a outros bens.
Então a gente torna-se negligente, difícil, exige-se logo como um tributo as complacências que de início eram recebidas como um dom. É do carácter dos homens apropriar-se a pouco e pouco até das graças de que beneficiam; uma longa posse acostuma-os naturalmente a olhar as coisas que possuem como sendo deles; assim, o hábito persuade-os de que têm um direito natural sobre a vontade dos seus amigos. Gostariam de possuir um título que lhes permitisse governá-los; quando essas pretensões são recíprocas, como se vê com frequência, o amor-próprio irrita-se e grita dos dois lados, produz um azedume, friezas e amargas explicações, etc.
Encontram-se, assim, mutuamente, defeitos que antes se escondiam; ou cai-se nas paixões que tiram qualquer atractivo à amizade, como as doenças violentas tiram o atractivo pelos mais doces prazeres. Assim, os homens mais extremados não são os mais capazes de uma amizade constante. Em nenhum outro lugar a encontramos mais viva e mais sólida do que nos espíritos tímidos e sérios, cuja alma moderada conhece a virtude; pois ela alivia o seu coração oprimido sob o mistério e sob o peso do segredo, distende-lhes o espírito, alarga-o, torna-os mais confiantes e mais vivos, mescla-se aos seus divertimentos, aos seus negócios e aos seus prazeres misteriosos: é a alma de toda a sua vida.
Os jovens são também muito sensíveis e muito confiantes; mas a vivacidade das suas paixões distrai-os e torna-os volúveis. A sensibilidade e a confiança estáo desgastadas nos anciãos, mas a necessidade aproxima-os e a razão é o laço que os une: alguns amam mais ternamente, outros mais solidamente.
Luc de Clapiers Vauvenargues, in 'Das Leis do Espírito'
fonte:WIKIPÉDIA
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